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sábado, 27 de novembro de 2010

Natal Solitário


Darcy Brito

Conto

Dalva, uma operária de meia idade, morava só, num bairro de periferia na grande cidade de S. Paulo, num apartamento de fundos que visualizava outros iguais ao seu. Trabalhava o dia inteiro numa fábrica de laticínios e ainda faltavam alguns anos para a sua aposentadoria. À noite, de volta para casa, costumava contemplar, pela janela do ônibus, a cidade com seu comércio fervilhante.
Era entre véspera de Natal, as vitrines iluminadas com lâmpadas natalinas a fez refletir, e se deu conta de que não havia armado a sua costumeira árvore de natal..
Ao chegar, cansada e meio ofegante, colocou a bolsa em cima do sofá e foi em busca da sua pequena árvore de natal que ficava guardada no maleiro do seu guardarroupa, ainda com os penduricalhos armados e sem o brilho dos outros Natais. Subiu num banquinho, não sem sacrifício, evidenciando as grossas varizes nas pernas, que as tornavam doloridas, pegou sua velha árvore embalada num saco plástico azul de lixo, e a colocou sobre a mesinha em frente ao sofá, cujo forro de corine marrom já apresentava sinal de desgaste. Era aí que ela assistia aos programas de televisão enquanto tomava seu café com leite e pão com mortadela.
Após ajeitar os enfeites e os galhos retorcidos da árvore, rememorou, como de costume, os Natais antes de enviuvar e os filhos caírem no mundo, como dizia ela: "eram mais alegres, apesar de pobre havia uma pequena ceia e as crianças ganhavam uns presentinhos do Papai Noel da fábrica, nas festas de fim de ano Hoje, só resta esta árvore. Para quem apreciar?- ela se perguntava já com os olhos lacrimejantes. Aí, tomou uma decisão: a partir de hoje não haverá mais árvore de Natal, vou doar para alguém, ou melhor, vou jogá-la no lixo.
Recolocou a arvorezinha no saco, dirigiu-se até a porta do prédio e jogou-a no tonel, junto a um poste em frente. Subiu dois lances de escada e retornou à sua solidão. Passou o café, fez seu sanduíche de mortadela, ligou a televisão e pegou no sono de cansaço.
No dia seguinte, bem cedinho, antes de ir para a fábrica, teve a curiosidade de olhar se a árvore ainda estava lá. Encontrou um garoto, vestido num calção azul desbotado e sem camisa, retirando todo contente a árvore de dentro do saco. “ Vou levar pra casa, a mãe vai adorar” – disse sorridente.
- Que bom, respondeu Dalva, e logo perguntou onde ele morava.
- No viaduto, quer dizer, embaixo. Eu, a mãe e meus dois irmãos menores.
- E o que vai ter no seu Natal – perguntou Dalva curiosa.
- Uma grande festa. Os vizinhos vão colaborar, até peru já tem, só faltava a árvore.
- Que vizinhos?
- Os do viaduto, gente fina.
- Estou com inveja de você, pois eu não tenho com quem passar o Natal.
- Vamos lá pra casa, vai ser animado - disse o garoto.
- Tá combinado. Quando eu saí da fábrica vou direto pra lá. Posso lhe contar um segredo? Hei, garoto! Volte aqui. Esta árvore é minha, era minha, eu... gostaria de passar o Natal.....Onde fica o viaduto?

E Dalva perdeu de vista o garoto que saiu em disparada atravessando a rua entre as buzinas dos carros.

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