Perdão por eu ter morrido.
Você tinha razão quando dizia que
eu adiava a vida, perdendo muitos momentos felizes que poderíamos ter passados
juntos. Muitas vezes a deixei esperando, por ter ficado entretido no trabalho,
esquecendo um compromisso para irmos ao cinema.
O trabalho sempre foi para mim o
mais importante. Tolice. Com que finalidade se trabalha tanto? Sempre achamos
que temos o controle sobre as coisas da vida. O que não dá para se fazer hoje, é
adiado. E assim, fui deixando para depois o que seria a melhor parte da minha
vida.
Quando me lembro da energia
perdida nos aborrecimentos em busca do dinheiro, da corrida por um lugar ao sol.
Que lugar é esse que nunca chega?
Na verdade,
meu lugar era você. E só agora eu vejo o que não enxergava quando tinha os
olhos abertos. O problema é que a morte só existe de verdade quando se morre.
Quando tudo que deveria ser dito ou feito não se pode mais fazer. Quando nos
tornamos invisíveis. Se somarmos os anos de convivência e as vezes que deixamos
para depois tudo que poderíamos ter vivido de bom, fica uma grande dívida. Não
deixa de ser um consolo saber que depois de morto somos lembrados pelo que
fizemos de bom. Mas isso não nos torna menos morto de fato. Só nas lembranças.
Costumamos dizer
que a vida não é nada. Engano. A vida é tudo. A morte, essa sim, não é nada. Um
nada eterno e irrevogável. A vida pode ser curta, mas, o que podemos tirar dela
vale uma eternidade. Será que só através da morte é que enxergamos a vida? A
morte é muitas vezes a lente dos vivos.
Você poderia
ter sido meus óculos, mas não tive tempo para usá-los devidamente.
O peso que se
impõe à vida comprime o espírito, que só é libertado quando a solidez sobre ele
se desfaz. Mas essa leveza costuma chegar tarde demais.
Sei que morri,
mas, fui pego de surpresa. A morte é sempre surpreendente. Estou tão desolado
quanto você. Fui um estúpido, e, se eu não fosse tão egoísta pediria que não
sofresse por mim.
Darcy N. Brito