Aquele olhar.
Mini Conto
Darcy Brito
Era o ano de 1957 . No saguão do aeroporto dois jovens, um rapaz e uma moça, aguardavam a chamada dos respectivos voos. Um ia para uma cidade do norte e o outro para uma cidade do sul. Olharam-se, um sorriu para o outro, trocaram ideias, falaram dos planos futuros e, antes de embarcarem, trocaram endereços. Prometeram se corresponder quando chegassem aos seus destinos. A imagem dos dois embarcando foi testemunhada por seus amigos e parentes que os acompanhavam. Sendo que a acompanhante da moça era sua irmã caçula que também testemunhou a conversa dos dois jovens.
Bem, promessa cumprida e, num belo dia de um domingo ensolarado, a jovem recebe a primeira cartinha do jovem contando sobre sua chegada, a vida cotidiana da sua cidade e seus compromissos. Estava para se formar e com planos de assumir um bom emprego. Na carta ele dizia, logo no início: " tenho ainda seu olhar fotografado na memória, um dia quero voltar a lhe ver". E esta foi a sua marca em todas as cartas que enviava à jovem. Sempre repetindo a frase inicial.
Os anos foram se passando e ambos se correspondendo. A jovem contando seus planos de estudos e emprego, e aguardando, também, um dia revê-lo. Nas cartas dele muitas revelações de aventuras amorosas, mas sem nenhum compromisso. Sempre achando que o destino a havia colocado no seu caminho.. Ela, por sua vez, também achava o mesmo. Não queria se comprometer com ninguém amorosamente. Trocavam confissões, contavam dos sonhos que tinham um com o outro, e assim iam vivendo na esperança de um dia realizarem seus sonhos. Quem sabe iriam se casar e ter muitos filhos juntos? Dizia ele.
Na época as cartas demoravam muito a chegar, e eles não tinham telefone em casa, que mesmo precisando de uma conexão com telefonista intermediando as ligações poderia ajudar a se falarem. Às vezes as cartas atrasadas chegavam juntas. As deles sempre com a frase inicial: " tenho ainda seu olhar fotografado na memória, um dia quero voltar a lhe ver". Numa dessas cartas, depois de algum tempo, ele comunicou que o pai havia falecido e ele teria que assumir os negócios relacionados com plantação de cacau, que o pai cuidava nas fazendas. Tendo que ir morar no interior e dar assistência também à mãe, ficou sem tempo para se dedicar às suas atividades corriqueiras do seu escritório de contabilidade que havia montado na cidade em que morava. Contou que talvez tivesse que se casar para ter alguém perto da mãe, uma vez que ele era filho único. Quem sabe ela não gostaria de ser esta mulher? Fez esse pedido a sua correspondente, mas não obteve resposta. Continuaram se correspondendo, trocando palavras de amor e fazendo planos de um dia se reverem, sem porém falar na possibilidade de casarem um com o outro.
Ela sempre começava as cartas falando do tempo, se estava ensolarado ou chuvoso, e também da saúde, que com o passar dos anos foram apresentando alguns sintomas desagradáveis. Ele jamais confessou se havia ou não casado com outra, e só falava da sua vida cotidiana, e do olhar dela no aeroporto que ficou marcado na sua memória, sempre na esperança de um dia revê-la, até marcava datas, que logo depois se desfaziam. Ela tinha uma mala, a mesma que usou no dia que o conheceu no aeroporto, onde guardava todas as cartas que recebia dele. Ler as cartas era o seu passatempo preferido. Ensinava numa escola primária e assim que chegava em casa ia direto conferir no porta-cartas se havia chegado alguma correspondência.
Ele, por sua vez, sempre escrevia, mesmo que não recebesse respostas das últimas cartas que enviava. Ela lia e juntava para responder tudo de uma só vez.
Muitos e muitos anos foram se passando e os jovens ainda tinham na memória aquela partida no aeroporto, cheios de energia de quando se conheceram.
Mas ele andava incomodado com a demora das cartas dela, sem respostas, havia dois anos. . Envolvido com as pragas que estavam acabando com a sua plantação de cacau, nem percebeu que seus cabelos já estavam branqueando e se perguntou há quantos anos escrevia cartas e como estaria aquele olhar encantador que ficou no aeroporto em 1957? Afinal, já estamos em outros tempos e, quem sabe, ela desistiu de escrever. Na época em que se conheceram ele tinha 25 anos e ela 24, mas na memória deles o tempo não havia passado, apesar de já estarem com 65 anos ele, e ela com 64. Ele fez as contas.
Resolveu, então, que iria realizar o sonho de revê-la. Espero que ela ainda esteja me esperando... Dizia pra si mesmo. Pegou um avião e foi até ela no mesmo endereço que tinha em mãos. Ao chegar, teve uma surpresa não muito agradável. A casa era uma escolinha. Uma professora o recebeu sorrindo e disse ... É o senhor das cartas?
Sim, como sabe? Disse ele. A professora saiu e logo voltou. É que minha irmã deixou uma ordem, que se algum dia o senhor aparecesse era para lhe entregar essa mala. Eu sou a irmã dela que estava no aeroporto no dia em que vocês se conheceram. Ele, pasmo, olhando fixo para a professora irmã, nada disse. E ela acrescentou: muito obrigada por tê-la feito tão feliz. Ela tinha uma doença degenerativa e faleceu no ano passado. Algumas cartas ela me pedia para escrever, para que o senhor não ficasse sem respostas, mas nos últimos anos achou por bem parar.
Depois de se refazer da surpresa ele disse: Por gentileza, você tem uma foto dela de quando nos conhecemos? ela nunca me enviou nenhuma.
É outro pedido que ela me fez : quer que o senhor sempre lembre dela no aeroporto, porque, segundo ela, o tempo só passa do lado de fora. Dentro do nosso pensamento ele continua o mesmo e não deve se desfazer. Aqui estão as cartas. Seja muito feliz, é o que ela lhe desejaria com certeza, esteja onde estiver.
E ele disse: ela tem razão, o tempo só passa do lado de fora dos nossos olhos. Nem vi os anos que passavam dentro da minha memória. Eu não sou mais aquele jovem.
O olhar dela ficará fotografado na memória. Espero um dia tornar a vê-la.
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quarta-feira, 19 de setembro de 2018
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