O difícil de criar um personagem na
primeira pessoa é a sensação de autobiografia. Mais difícil ainda é para o
leitor, que sempre associa a figura do autor ao do protagonista e, muitas vezes,
ao narrador, que o autor usa para descrever o personagem e sua história na
primeira ou terceira pessoa. E se o leitor conhece pessoalmente o autor fica
difícil, também, abstrair a figura do personagem e separar da do autor do
livro. Uma vez ouvi Jô Soares falando, numa entrevista a Chico Buarque, da
dificuldade que teve para abstrair, quando leu Estorvo, de autoria de Chico. Neste
caso o autor conhecido pelas suas lindas composições musicais. Quando escrevi o
meu primeiro livro “Rainha sem Faixa”, escrito na primeira pessoa, senti na
pele esse problema. Pessoas que me conheciam me questionavam sobre a
personagem, no caso uma mulher, dando a entender que era uma
autobiografia.
Um personagem é construído a
partir de observações e reflexões do autor, pode até ter algo de autobiográfico,
mas não necessariamente ou propositalmente, esteja ele na primeira pessoa ou
não. Ele é um mosaico, feito com pedaços de muitos outros, que de repente podem
se incorporar ao protagonista da história. Quando um autor começa a escrever,
muitas vezes nem sabe no que vai dar o enredo. A história vai se desenrolando,
levando o autor às mais diferente situações, e o coloca num desafio para
encontrar uma saída coerente, usando as palavras certas que leve o leitor a abstrair
e refletir de acordo com a sua própria interpretação ou processo mental. O
leitor pode ser um crítico que vê coisas que o próprio autor não viu ou teve intenção
de dizer. A arte não requer explicações. Não é uma ciência que tenha que valer
para todos da mesma forma. Ela dá o seu recado e o efeito varia de acordo com a
carapuça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário