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sábado, 10 de novembro de 2012

Diálogo nostálgico no Sebo

    Conto  - Darcy Brito                                                                                
                                                                                                                                       

- Amigo livro, como foi que você veio parar aqui?
- A mesma pergunta eu lhe faço, companheiro.
- Eu, pra lhe falar a verdade,vim num pacote do espólio de uma viúva  que havia se mudado para uma casa menor. Ela estava em dúvida se levaria os livros, que pertenceu ao falecido marido, ou sua coleção de porcelana inglesa. Levando os livros ela teria que levar também a estante, que era maior que a peça que guardava as porcelanas. Ganhou a porcelana. Fiquei triste porque tive que me separar dos companheiros de muitos anos, sem falar da falta que senti do meu velho dono. Ele tinha o maior orgulho da sua biblioteca que ele chamava de "meu tesouro". Eu, por exemplo, era muito bem tratado por ele, "História da Civilização Grega", ele falava todo garboso acariciando minha capa dura. Fui emprestado algumas vezes para amigos dele, gente muito fina que sabe o valor de um livro. Tive sorte de parar aqui neste sebo que tem muitos livros raros. Mas não é como estar numa biblioteca bem acondicionada, sempre arrumadinha, com meus vizinhos coladinhos a mim cheirando a poeira caseira. Aqui, todo mundo que entra vai logo tapando o nariz, achando que somos sujos. Resta o consolo  e esperança de um dia ser levado para uma estante particular de valor.
- Sei não companheiro. Já ouviu falar no tal Tablet? Do tal Ebook? É a morte do livro, companheiro.
- Não acredito nisso. Não existe nada mais portátil que o livro. Quem gosta de ler nos carrega debaixo do braço. Abrir numa determinada página de um livro é mais rápido que baixar na internet.
- Mas baixar na internet é mais barato. 
- Mas não tem o charme do livro escolhido na estante real.
- Não se iluda, amigo, os tempos são outros. Eu passei por vários lugares antes de chegar aqui. Até no quarto de empregada eu estive. Se você puder reparar na minha capa vai encontrar um desenho de um coração espetado, escrito Toninho, e com tinta de caneta esferográfica vagabunda que uma delas usava. Eu, um Dom Casmurro, imagine você se eu fosse um livro de matemática. Este nem existe mais nas escolas, que só trabalham com módulos.
- De qualquer forma você teve mais sorte que eu. Um Machado de Assis sai mais rápido que um livro de História. Eu vi quando um cliente lhe pegou  e disse que iria voltar para comprá-lo e que estava baratinho.. Pobre de mim, História da Civilização Grega com capa dura. O Google é meu maior concorrente.  
- Você foi vendido ou doado, companheiro? 
- Vim num pacote com vários livros de valor que foi vendido a um intermediário que tem ligação com donos de Sebos. Nem sei onde foram parar os outros. 
- Mas você tem um passado bonito. Tenho certeza que alguém vai lhe descobrir quando souber quem foi o seu dono. Gente importante?
- Acho que sim. Ele recebia muita gente da política. Agora só me resta ser relíquia, porque me lê, que é bom, sentir as mãos do leitor nas minhas páginas envelhecidas, acho que não terei mais este prazer.

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