( baseado no artigo sobre a Necessidade de Morrer, da Revista Filosofia Ciência e Vida nº87)
Você tem medo de morrer?
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Você tem medo de morrer?
É claro que sim, você vai responder. Este é um sentimento da
maioria dos humanos. A morte é o desconhecido que ninguém quer apostar para ver, por mais aventureiro que seja, pois sabe que não irá testemunhar nem descrever o que viu. Pelo
menos conscientemente. De acordo com Epicuro* não devemos nos importar com a
morte porque “enquanto eu sou a morte não
é; e, quando ela for, eu já não serei”.
Este medo acomete a todos, principalmente nas culturas
ocidentais. Mas sabemos que a morte é certa, que faz parte da vida tanto quanto
o nascimento. Há quem imagine uma vida eterna, uma imortalidade; mas morrer é
preciso, para haver o equilíbrio da vida. O medo da morte origina-se da mítica
bíblica que trata a morte como punição. Segundo Norbert Elias (1897- 1990) “No
paraíso, Adão e Eva eram imortais, mas Deus os condenou à morte porque Adão, o
homem, violou o mandamento do pai divino”. Nossa existência tem duração
limitada e somos obrigados a encarar o fato. Hoje em dia, com o desenvolvimento
da ciência tecnológica e a promessa de vida mais longa, nos afastamos do
sentimento de finitude da vida. Não apenas isto, mas também por isto, anseia-se
por uma juventude eterna, uma beleza eterna, uma saúde eterna. Há um excesso de
narcisismo, um temor de envelhecer, gerado pelas mudanças na sociedade, que
foca no aqui e agora e a velhice é encarada como algo negativo. Bombardeados por todos os lados pelas propagandas
midiáticas criamos ilusões de imortalidade e nos afastamos da real finitude da
vida.
Na Antiguidade greco-romana, na era do paganismo**, havia
uma relação mais próxima entre a vida e a morte. O ancestral sepultado no
pedaço de terra tornava essa terra sagrada, o húmus era devolvido ao local de
onde retornara, havendo aí uma supervalorização da morte.
“Com o surgimento do
Cristianismo a morte passa a ser substituída pela vida. No paganismo havia o
direito de morrer, já com a religião cristã surge a sacralidade da vida, pois a
vida é concebida como um dom de Deus e, por isso, deve ser preservada. Na Modernidade
essa visão ganhou ênfase ao ponto de privilegiar a vida em detrimento da morte.
No pensamento do filósofo René Descartes (1561- 1626) e de Francis Bacon, o
mundo é visto “nu”, sem Deus, o homem se percebe capaz de realizar uma
dominação de tudo aquilo que está ao seu redor, controlando os fenômenos da natureza. Segundo o historiador Philippe
Áries (1014-1984), o ser humano ocidental afastou e expulsou a morte do seu
cotidiano, vista como uma coisa anormal.”(Sobre a necessidade de Morrer,
revista Filosofia Ciência e Vida,nº87)
Mas a morte em si não é problema e deve ser vista sem surpresa, como algo
corriqueiro, muito embora não seja fácil pensar nos deparando com ela. Estamos caminhando ao seu encontro e ela ao nosso. Podemos tentar retardar, andando mais devagar, porém, nunca imaginar que
vamos evita-la para sempre. E, a partir daí, projetar melhor a existência.
*Epicuro de
Samos (341 a.C.-270 a.C.) foi um filósofo grego do período helenístico. Seu
pensamento foi muito difundido e numerosos centros epicuristas se desenvolveram
na Jônia, no Egito e, a partir do século I, em Roma, onde Lucrécio foi seu
maior divulgador. Wikipédia
** Paganismo -
origina-se da palavra pagus, que significa pedaço de terra onde se plantava, na
Antiguidade.
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