De repente me veio a lembrança de um tempo em que os devotos de Cosme e Damião festejavam o seu dia, 27 de Setembro, com um animado Caruru. Por toda a redondeza não se falava em outra coisa. Havia festa, principalmente nas casas onde tivesse gêmeos, e esta era o caso da minha. É nesta festa que eu entro com minhas lembranças de criança. O fato de ter irmãos gêmeos nos dava o direito, ou quem sabe o dever, de festejar o aniversário deles como mandava o preceito. Os "mabaços'', como os chamava minha avó, eram como enviados de Deus, e não se media esforços para festejar este dia, a começar pela missa a São Cosme e São Damião, logo de manhã, na Capela do bairro, missa especial para eles. Ganhávamos roupas novas e quando voltávamos da missa já encontrávamos a casa com as ajudantes para cortar os quiabos. Eram as vizinhas que faziam questão de ajudar na cozinha neste dia. Meu pai, que não era nem exatamente católico nem evangélico, criticava dizendo que Cosme e Damião nunca foram irmãos e sim amigos, e que caruru era apenas uma comida de origem africana. Mas ninguém dava ouvidos. O bom mesmo era a preparação, o falatório e a festa dançante. Mesmo os que não eram convidados se infiltravam, com a desculpa de que eram devotos dos santos. O preceito mandava que se pedisse, durante a semana que antecedia a festa, uma tal de esmola para os santos, na redondeza, com a imagem de Cosme e Damião dentro de uma caixa enfeitada com flores, tarefa dada às crianças do bairro.Era uma algazarra. Tinha meninos que roubavam as moedas dos outros "pedintes" para não voltar sem nada, pois não era todo mundo que acreditava na veracidade dos pedidos. Porém, a lembrança mais forte que tenho desta época aconteceu num caruru de uma vizinha em que fui escolhida para fazer parte dos sete meninos do preceito. Sem saber, aceitei, e quando dei por mim estava sentada com mais seis crianças em volta de uma bacia cheia de caruru e todos comendo com as mãos diretamente, fazendo a maior meleira. Fiquei com nojo e não quis comer, mas permaneci olhando. Quando voltei, para o meu lugar, estavam servindo aos convidados, num prato separado, o caruru arrumadinho. Passaram por mim e disseram: você já comeu . Meus irmãos menores, que não participaram do preceito e sabiam da minha decepção, ficaram rindo de mim, que estava com água na boca. Voltei pra casa sem comer, nunca esqueci.
Hoje em dia quase não vemos este tipo de festejo. "Os católicos, que faziam caruru, viraram crente", como bem falou minha empregada, que já ganhou muito dinheiro, segundo ela, para cortar panelões de quiabos quando menina. Mas, apesar de não ter religião, eu sempre faço um caruru, sem preceitos, que aprendi com minha avó, atendendo a pedidos de casa. Um dos irmãos gêmeos já é falecido e, talvez por isso, a gêmea com ele não goste de festejar o "dia dos mabaços", como dizia minha avó.
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