A passageira olhou para trás de si e não viu a velha. Que velha? Será eu?
Sim, era ela
Sim, era ela
. Surpresa, se deu conta que a velha era ela e como tal acabara de perder a identidade - "a velha".
Tirou um espelho da bolsa para constatar se realmente o cobrador estava se referindo a ela. Fez de conta que a imagem do espelho era de outra pessoa, alguém que não via há muito tempo. Não se reconheceu, não era ela, não podia ser. (esta introdução, colocada aqui, foi uma declaração feita por uma senhora na vida real).
Quando foi que a velha se instalou? Com certeza não foi naquele momento em que subiu no ônibus. Velhice não é como uma gripe, ou uma doença qualquer que se instala e da qual a gente pode se curar. A velhice é a única fase da vida que chega pra ficar, ao contrário da infância, adolescencia e juventude, que passam rápido. Ela chega devagar, sorrateiramente, sem que percebamos e se agrava com o tempo. Mas só somos velhos no olhar do outro. Costumamos dizer a respeito de alguém que não víamos há alguns anos: "quase não o reconheci de tão velho". Mas o tempo passa também para o que está observando o outro, mas velho é o outro. Passado esse momento, pouco a pouco a consciência vai registrando as mudanças; seja na aparência, seja na indisposição, ou nas pequenas dores que costumam acometer os agora apelidados de "melhor idade".O jeito é aproveitar das poucas vantagens que a condição trás: atendimento prioritário em estabelecimentos comerciais; vagas em estacionamentos; passagem gratuita em ônibus, etc.. Benefícios estes que, muitas vezes, são desrespeitados e que exigem reclamação de direitos. Porém o bom mesmo é a sabedoria que se adquire com a tal consciência, embora com pouca utilidade numa sociedade capitalista em que o velho é descartado e, em alguns casos, passa a ser um estorvo na família, o que é pior. Apesar das mudanças no mundo atual, no que diz respeito à melhoria na saúde, aumentando a expectativa de vida, o velho ainda tem muitas dificuldades para se manter num padrão digno e respeitado, principalmente os aposentados e de baixa renda. Alguns até sustentando filhos e netos desempregados. Mesmo tendo ainda energia para trabalhar seus planos ou desejos acabam por fenecerem devido às imposições sociais. Certa feita, ouvi numa entrevista a uma repórter de televisão, a escritora e cronista Rachel de Queiroz, que ainda estava na ativa, responder à pergunta da jornalista a respeito dos planos da escritora para o futuro, o seguinte: "na minha idade a morte é quase um ambição". Acho que ela estava completando 90 anos. A consciência da finitude só chega mesmo com o tempo, e aí a morte já não assusta tanto e querer uma juventude eterna é utopia. Sentir-se ou não velho vai depender de cada um, da condição de vida que leva, da vontade de prosseguir ou não. Há quem se sinta cansado da profissão que exerce, desgastado, e isso dá sensação de velhice. Outros continuam satisfeitos com sua condição e de bem com a vida, independente da idade. Neste caso, a idade cronológica só é importante para a anamnese médica.
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